A Geração que Teme a Renúncia: Quando o Egoísmo se Disfarça de Planejamento
- Maycom Gossler

- 4 de mai.
- 5 min de leitura

Nascidos entre 1980 e 1990, cresceram sob a promessa de um mundo mais livre, mais conectado e repleto de possibilidades. São os que testemunharam a transição do analógico para o digital; ouviram conselhos de pais sacrificados, mas desejaram para si uma vida mais leve, menos sofrida. Aprenderam, desde cedo, a evitar a dor, o desconforto e qualquer forma de limitação — como se uma vida plena estivesse diretamente ligada ao prazer, ao consumo e à liberdade individual.
Hoje, muitos desses adultos se casam tardiamente — ou sequer se casam. Quando decidem ter filhos, frequentemente limitam-se a apenas um, tratado quase como um item opcional em um projeto de vida cuidadosamente desenhado. Um filho encaixado entre a pós-graduação e a próxima viagem à Europa. Um filho, se der, e desde que não atrapalhe demais os planos de liberdade.
À primeira vista, o discurso soa sensato: “Filhos custam caro. As escolas estão impagáveis. O mundo está instável. Melhor investir em experiências, viagens e desenvolvimento pessoal.” Mas será mesmo que o problema é o custo financeiro? Ou estaríamos diante de uma geração que teme a renúncia, que rejeita a ideia de viver em função de alguém além de si?
Ser pai ou mãe exige algo que muitos não estão mais dispostos a oferecer: renúncia. É acordar cedo não por vontade própria, mas porque alguém depende de você. É trabalhar mais, abrir mão do conforto, das viagens, do tempo livre, do corpo em forma, do silêncio — tudo por uma criança que vai precisar de você por anos, sem garantias de retorno imediato.
A geração que cresceu ouvindo que “o mundo é seu” parece incapaz de entregar esse mundo para que outra vida floresça. Adiam a paternidade, terceirizam-na ou simplesmente a descartam do roteiro. Chamam isso de liberdade, mas frequentemente é apenas medo — medo de crescer, de amadurecer.
O Discurso da Racionalidade como Cortina para o Egoísmo
É evidente que há casos legítimos: infertilidade, dificuldades econômicas reais ou limitações pessoais sérias. No entanto, na maioria das vezes, o argumento financeiro tornou-se uma cortina elegante para ocultar um desejo mais profundo: viver exclusivamente para si. Ter filhos é, sim, desafiador, caro e imprevisível — mas, sobretudo, exige que o “eu” deixe o centro do palco.
Não se trata de condenar quem escolhe não ter filhos, mas de expor o discurso contemporâneo que romantiza o individualismo como virtude. Muitos dos que dizem “não queremos filhos porque o mundo está difícil” fazem várias viagens por ano, frequentam os melhores restaurantes, cultivam hobbies caros e priorizam experiências pessoais.
Mais do que isso, o que realmente assusta é a ideia de que filhos são uma responsabilidade permanente. Esse pensamento angustia quem se acostumou a relacionamentos descartáveis, trabalhos flexíveis e decisões sempre reversíveis. Filhos não têm botão de “desinstalar”. Não se adaptam à fase da vida. Não vêm com garantias.
Para uma geração ensinada a buscar realização pessoal acima de tudo, criar um filho parece uma ameaça direta à liberdade. No fundo, é a recusa de aceitar que a vida adulta real exige sacrifícios longos — e não negociáveis.
Nem o Casamento Resiste ao Culto ao “Eu”
Se muitos evitam filhos para não abrir mão do próprio estilo de vida, o que dizer do casamento? Mesmo entre os que optam por se casar, os índices de divórcio disparam — muitas vezes por motivos banais ou por pura incompatibilidade de interesses.
Casam-se com entusiasmo, mas ao menor sinal de frustração ou insatisfação, desfazem a aliança como quem troca de smartphone. “Não sou mais feliz.” “Ele já não me inspira.” “Ela não me apoia como antes.” Tradução: “O outro deixou de servir aos meus interesses.”
O amor, para essa geração, tornou-se utilitário. Se exige paciência, esforço, perdão ou sacrifício, perde o encanto. E o ciclo se repete: relações frágeis, vidas centradas no prazer imediato, filhos vistos como ameaça à autonomia — tudo em nome de uma “liberdade” que, na prática, aprisiona no individualismo mais imaturo e solitário.
Quando o Consumismo se Disfarça de Autonomia
Sob o discurso da autonomia, da liberdade e do autocuidado, esconde-se muitas vezes uma lógica profundamente consumista. Ter filhos significaria abrir mão de bens, viagens e “experiências”. Formar uma família numerosa soa como um “atraso de vida” frente à promessa de conforto, luxo e independência.
A geração que viu os pais se sacrificarem para manter a casa, a comida e os filhos, decidiu não seguir o exemplo — não porque o exemplo era ruim, mas porque doía. E ao invés de enxergar nobreza no sacrifício, escolheram evitá-lo a todo custo.
Por trás disso tudo, há um padrão psicológico recorrente: a recusa da vida adulta como missão. Ter filhos, manter um casamento, construir uma família — tudo isso exige maturidade. Implica aceitar que o mundo não gira em torno dos próprios desejos. Mas essa geração foi treinada para desejar, não para servir. Para consumir, não para construir.
A ideia de que um filho é “para sempre” assusta quem quer tudo com data de validade. Por isso a maternidade e a paternidade parecem tão pesadas: porque o “para sempre” exige responsabilidade — e isso requer amor, paciência e coragem. Virtudes que não se compram online nem se aprendem em um curso de final de semana.
O Filho como Projeto Estético: Consumo Emocional Disfarçado de Amor
Curiosamente, muitos casais que optam por ter apenas um ou dois filhos decidem "investir" pesado nessa criação. Gastam com roupas de grife, escolas caras que, muitas vezes, não valorizam uma formação cristã, festas cinematográficas, viagens internacionais precoces e uma enxurrada de mimos. Soma-se a isso uma superproteção constante e a quase total ausência de autoridade. Quando corrigem, fazem com voz trêmula: “Filhinho, por favor, não faça isso...” — como se o filho nunca irá se frustrar na vida.
Esse modelo, naturalmente, torna a criação dos filhos não apenas financeiramente cara, mas emocionalmente exaustiva. O problema não está na quantidade de filhos — mas no tipo de criação que se escolhe. Um filho que ocupa o trono da casa, cercado de privilégios e blindado contra qualquer desconforto, demandará muito mais dos pais do que três ou quatro filhos criados com fé, limites e senso de propósito.
Ao evitar ter filhos por medo da entrega, essa geração perde algo essencial: a oportunidade de participar da construção de uma nova vida com propósito. Perde a chance de crescer de verdade. Porque criar filhos não é só um ato biológico — é um chamado à maturidade, ao amor que se doa, à humildade cotidiana.
O Ordinário como Escola de Amor
Essa geração foi treinada a buscar a experiência única, a aventura exclusiva, o êxtase emocional. Mas casar-se e criar filhos exige abraçar o ordinário: preparar lancheiras, acordar de madrugada, lidar com viroses, ensinar valores, pagar boletos e não receber aplausos por isso. Exige amar em silêncio.
Como suportar o ordinário, se a alma foi treinada apenas para o extraordinário? Como doar-se, se fomos formados para receber? Como cuidar de um lar, se tudo nos ensinou a “seguir nossos sonhos” — mesmo que isso implique abandonar os que mais precisam de nós?
Filhos ensinam que a vida não gira ao redor do nosso conforto. E talvez seja exatamente isso que tantos preferem não aprender.





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