A Dor de um Adeus
- Eliciane Eustachio

- 15 de out. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de mar. de 2024

A empatia (muito falada e requerida ultimamente) é a capacidade de sentir o que o outro sente, mas ela é incompleta e insuficiente. É, arrisco dizer, impossível sentir o que o outro sente quando lhe falta conhecimento a respeito do sofrimento do próximo. Como sofrer junto com alguém que foi diagnosticado com câncer, por exemplo, se você não tem a mínima ideia de como seja o tratamento, quais feitos colaterais, como é a dor, e além disso, cada um tem uma resistência e uma capacidade de compreender o mundo e lidar com o sofrimento. E isso não é necessariamente “culpa” da pessoa, é muito difícil mesmo entender a dor do próximo. Sempre que rezo medito sobre a dor que Cristo sofreu a ponto de chegar a suar sangue, as vezes quando corto meu dedo com papel (uma dor fina e chata), já me incomoda muito, imagina ter pés e mãos pregados, a cabeça transpassada por um espinho enorme, te hastearem numa cruz, no sol das 15h da tarde, pedir água e te darem vinagre. Como ter a dimensão dessa dor? A dor do parto normal foi muito grande, mas imagino que não tenha sido nada perto da dor que Nosso Senhor passou (eu sei, Ele é Deus, mas sofreu todas as dores físicas como homem, como nós). Por isso nunca teremos empatia por Ele, porque, novamente digo, ela é incompleta, insuficiente e imperfeita. É necessário muito mais para sofrer de fato com o outro, é necessária caridade (que é diferente de assistencialismo), mas isso é assunto para outro momento. E para deixar registrado, muitas pessoas foram extremamente caridosas nesse momento, os amigos (através das orações, dos abraços, da conversa que conforta a alma), o chefe, o escalante e os colegas de trabalho que assumiram meus serviços para que eu pudesse ter uns dias de folga.
Para ilustrar o imaginário de quem nunca passou por um aborto e para minha própria memória bem ruinzinha, vou contar um pouco do que senti e também já vi outras mães contando. Obviamente não cabe tudo que sentimos em palavras, existem realidades que não são possíveis descrever, e como já disse, cada pessoa sente de uma forma. Para mim ficou:
- o luto, pois alguém muito amado, um filho, morreu;
- um vazio no peito, que só Deus pode preencher completamente, mas parece que um pedaço foi embora;
- uma saudade que não passa, apesar de não tê-lo conhecido, sua espera era uma realidade;
- uma sensação de braços vazios, um colo que não pôde aconchegar e proteger um bebezinho indefeso; e
- uma força extra, que obviamente não vem da gente e só pode ser concedida pela Misericórdia de Nosso Senhor, para lutar contra os pecados e um dia poder chegar ao céu e encontrar esse filho, que foi amado desde que foi possível notar os primeiros sinais de sua existência.
Não tive tantos problemas físicos, o aborto foi espontâneo e o saco gestacional saiu inteirinho, pude vê-lo boiando no vaso, branquinho meio turvo, grudado em uma placa de sangue vermelho vivo. Isso foi no dia 09 de outubro de 2022, por volta das 11:20 da manhã, depois de um turno um pouco trabalhoso, mas tranquilo. Naquele dia, apesar de já estar com sangramento há 4 dias, acordei sentindo uma cólica forte, tontura e muita dor de cabeça.
Como o aborto foi espontâneo e o útero ficou limpo, os médicos julgaram não ser necessária uma dispensa médica e, fisicamente, realmente não precisava. Mas nenhum dos 3 que passei perguntaram a respeito do estado psicológico porque, repito, a empatia é imperfeita e insuficiente.
Penso que, obviamente, perder um filho depois de nascido seja imensuravelmente mais doloroso, mas a dor não pode ser medida com a régua própria, pois cada ser humano tem uma resistência, uma compreensão e uma capacidade de lidar com os sacrifícios que lhe são impostos pela realidade.
Para mim doeu bastante, chorei por alguns dias e imagino que seja assim por alguns mais. Vou rezar pelo Augusto (o padre disse que poderíamos dar um nome e pedir que rezem missas) até o fim dos meus dias. Por hora tenho 2 filhos e uma das minhas responsabilidades é interceder por eles incessantemente.
Não encontraremos consolação suficiente nessa terra, alguém ou alguma coisa sempre vai nos frustrar, porque, no fundo, nossa alma busca a perfeição e ela só pode ser encontrada em Deus. Também não podemos fugir das cruzes diárias, pois são elas que nos unem a Cristo, que sacrifícios tão amargos e doces ao mesmo tempo.
Meu maior peso foi não ter podido batizá-lo, assim não tenho a certeza se ele contempla Deus face a face (não consigo imaginar o tamanho da alegria que deve ser poder estar tão perto de Deus). A Igreja em seu Magistério não define se as crianças falecidas sem Batismo têm a visão beatífica ou não. Nosso Senhor não revelou especificamente a respeito disso, mas são aceitas duas hipóteses, a do limbo e a da esperança da salvação. Acredito na segunda por tudo que li no documento “A esperança da salvação para as crianças que morrem sem batismo”, produzido em 2007, pela Comissão Teológica Internacional.
“Senhor, por sua infinita Misericórdia e para que aumente o número dos que o glorificam, receba no céu as crianças que não foram batizadas, seja por ação da natureza, seja pela ação do maligno. Elas não padecem de culpa por pecados que desagradam seu Sagrado Coração. Que possam contemplar sua Bondade e interceder por nós. Amém.”





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