A importância da privacidade
- Eliciane Eustachio

- 9 de set. de 2022
- 4 min de leitura

Em algum momento você já deve ter sentido que vivemos numa espécie de Big Brother, estamos sempre sendo observados, nas ruas existem câmeras de monitoramento para todo lado, um celular sempre a postos para pegar qualquer flagra e vender para um jornal sensacionalista e, dentre outros, aquele vizinho intrigueiro. Essas são situações que estão fora do nosso controle, o outro é alguém que não temos a mínima capacidade de mudar. Mas, além dessas situações, é de livre e espontânea vontade que compartilhamos muito de nossa vida nas redes sociais ou com nossos parentes ou amigos.
Fato é que precisamos sim compartilhar a nossa vida com outro ser humano, somos seres sociáveis. Deus criou Adão e, mesmo depois de ter criado tantos seres vivos, viu que ele estava só, então criou Eva, carne de sua carne, osso de seus ossos, para ser sua companhia. É uma característica muito natural fazermos parte da vida uns dos outros. Sendo assim, algumas coisas não temos o poder de escolher se compartilharmos ou não, por exemplo as pessoas simplesmente veem como andamos, como falamos, como comemos, nosso sotaque, porém outras coisas mais íntimas e substanciais, podemos sim escolher com quem conversar. Não deveríamos expor para qualquer pessoa sobre nossas dificuldades no relacionamento conjugal ou sobre certas doenças mais íntimas, por exemplo, isso é o tipo de coisa que compartilhamos com amigos muito próximos, com um confessor ou diretor espiritual.
A teoria sobre empatia é que deveríamos saber ouvir e sentir com o outro a sua dor, mas a maioria das pessoas tem necessidade de dar opinião, dar conselho, muito comumente baseado em seu próprio conhecimento e experiências pessoais, porém não sabemos muito a fundo a realidade do próximo, o que vemos e interpretamos está baseado no que pensamos do mundo. Então frequentemente alguém nos decepciona pois tomam a liberdade de dar “pitacos” na nossa vida. Sim, isso é muito inconveniente, especialmente quando não pedimos ou nunca vimos aquela pessoa antes, ela não sabe absolutamente nada da nossa vida e das nossas dificuldades.
Muitas vezes esse comentário desnecessário vem da nossa própria família, de pessoas que jamais esperamos que tivesse tal tipo de reação, isso então nos decepciona em dobro.
Mas paremos para pensar um instante nas seguintes perguntas:
1) Será que a pessoa que está comentando algo desnecessário tem os mesmos conhecimentos que nós, já estudou tudo que estudamos ou sabe além do que conhecemos?
2) Será que já passou pelas mesmas experiências na vida que nós já passamos, mesmo que sejam mais velhos?
3) Será que não está em um dia muito ruim e precisa “cuspir seus marimbondos”?
4) Será que sua intenção não é nos poupar dos sofrimentos pelos quais estamos passando, acreditando que tem a melhor opção para isso?
5) Será que não estamos expondo coisas demais da nossa vida, mesmo para os familiares mais próximos?
Não estou dizendo que é certo descarregar nos outros as nossas frustrações, mas isso acontece, quem nunca cometeu esse pecado que atire a primeira pedra. Porém, o único que pode de fato resolver todos os nossos problemas é Deus (quantas vezes você já foi chorar ajoelhado em frente ao Santíssimo e compartilhar com Cristo, que ali está, todas as suas dificuldades?). Então, como disse Frei Gilson em uma de suas pregações citando Fulton Sheen, precisamos ter consciência de que a essência da vida é a decepção, porque a expectativa que temos é grande demais e só Deus pode corresponder a ela, nós nunca nos realizaremos completamente nessa terra, somente no céu. Só Deus é bom, nós todos somos maus.
“Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele vos exalte no tempo oportuno. Confiai-lhe todas as vossas preocupações, porque ele tem cuidado de vós.”
(I Pe 5, 6-7)
Precisamos ter cuidado com nossas ações e escolher o que e com quem compartilhamos certos aspectos da nossa vida particular, por exemplo, sobre a abertura ao dom dos filhos. Arrisco dizer que 98% das pessoas com quem convivemos não entende esse aspecto da relação conjugal e da relação de confiança que se precisa ter com Deus, e talvez nunca entendam, porque podem não ter recebido as mesmas Graças e inspirações do Espírito Santo que nós recebemos. A respeito disso me lembro que no dia do meu casamento, meu irmão chegou para mim e disse: “A partir de agora sua família é você, seu esposo e os filhos que vierem, o resto é parente”. Algumas vezes me esqueci desse conselho, mas, graças a Deus, Maycom sempre me alerta: “cuidado com o que compartilha da nossa vida íntima com qualquer pessoa, não caia na tentação de reclamar com quem não pode ajudar, você vai se estressar com os pitacos e vai “azedar” o clima na nossa casa”, e ele está certo sobre isso. Não sejamos inocentes, quando divulgamos qualquer fato da nossa vida, criamos oportunidade para que as pessoas falem e deem opiniões, mesmo que não queiramos e que não sejam bem-vindas, e precisamos lidar com as consequências, sem esquecer do segundo mandamento e da virtude da caridade.
Devemos preservar a nossa intimidade e a de nossa família, nos vigiarmos e conter a necessidade de contar tudo nas redes sociais ou para quem em nada pode ajudar. Afinal, sem dar motivos as pessoas o encontram, imaginem quando provemos material para o assunto. E acima de tudo, devemos preservar nossa intimidade porque, como diz São Francisco de Assis, a nossa vida, talvez ela seja o único evangelho que as pessoas leiam.





Que artigo maravilhoso! Parabéns! Obrigada por compartilhar conosco tão bela reflexão.